Escrevo esta carta aberta com o estranho sentimento de não querer esccrevê-la, mas consegui hoje ter coragem e fortaleza para tornar público algo que ocorreu entre os dias 8 e 9 de outubro. É triste para mim me retirar de espaços de convivência e militância que me fizeram um dia querer compor e fortalecer os grupos, afinal sabemos que espaços e atividades autônomas e autogestionadas são difíceis de se manter no mundo em que vivemos. Mas infelizmente, minha retirada se fez necessária por auto-defesa, por considerar que o time de futebol Autônomos e Autônomas FC e o espaço autônomo Casa Mafalda não são espaços seguros para minha permanência.
Vou relatar um pouco o que ocorreu, ciente dos contra-ataques que irei sofrer, tanto de forma velada como explícita. Tenho a percepção de que muitos argumentos se levantarão contra esse escrito, e poderão versar desde de apontamentos pessoais e individuais, como temperamento, até posições coletivas ou sociais, como radicalismo ou sectarismo (separatismo). Mas me preparei para isso, afinal, nascendo e crescendo mulher você entende que para ser ouvida é dificil, precisa falar mais de uma vez, talvez falar mais alto e mesmo assim não será ouvida…os ouvidos coletivos não são educados a ouvir ou dar credibilidade a vozes femininas. Também deixo nítido aqui que não quero com isso ganhar notoriedade, esse é o último motivo pelo qual gostaria de ser lembrada ou citada, mas se faço isso é porque considero necessário quebrar o silêncio e tirar problemas que muitas vezes ficam nas quatro paredes dos espaços de militância, convivência ou até domésticos. Se faço isso, é porque acredito que em muitas vezes o pessoal é político, e se deixamos passar estamos confirmando uma lógica opressora que se arrasta, ainda com alguns obstáculos, a séculos.
Pois bem, o que ocorreu foi uma agressão verbal ocorrida na lista de e-mails do time já citado. E o alvo dessa agressão é esta que escreve. Talvez quem estiver lendo e parar aqui pode até questionar o que significa agressão, afinal o e-mail é virtual, e a distância. Mas atrás de cada tela de computador há uma pessoa que o opera. Tenho por agressão qualquer atitude ofensiva e opressora contra semelhantes, que vão desde exploração e abuso simbólicos, aqueles que são feitos muitas vezes de forma tornada natural e nas sutilezas até violências físicas, que não preciso detalhar aqui. Para mim, fui alvo desde violência simbólica até violência verbal.
O porque: em uma discussão de rotina entre os times masculinos e femininos coloquei alguns pontos, como outras pessoas fizeram, e na sequencia me senti oprimida por considerar que adjetivos como “burocrata” e “regras nazistas” se dirigiram a mim, embora não tivessem o meu nome como destinatária. Ao questionar tais ataques às pessoas as quais considerei que direcionaram a mim, o jogador do Autônomos FC Jacob direcionou uma série de ofensas, que terminaram em “Ofendida? Agora que eu tava na pilha de te ofender mais ainda, mas não vou fazer isso em respeito aos demais”.
Bom, considerei este posicionamento uma ameaça e desde aí, já em choque e com muita angústia repensei minhas atuações nos times, os quais estava me preparando para compor o time misto de homens e mulheres, e também a atuação na Casa Mafalda, ja que considerei essa promessa de ofensa uma ameaça e como a Casa é sede do time, compartilhar espaço com esse agressor poderia ser um risco à minha integridade física. No decorrer da discussão de e-mails, vários jogadores e poucas jogadoras se manifestaram, e me senti quase que a culpada por ter “gerado” aquela situação, afinal as posições que foram em sua maioria do “deixa disso”, conciliadoras e pacificadoras jogaram para mim a responsabilidade de primeiro não ter interpretado bem o texto que não seria direcionado a mim e depois o quadro foi revertido para que a atitude inicial agressiva fosse minha, pois fui pontual ao questionar se aqueles e-mails que considerei ofensivos foram para mim “porque eu era mulher ou porque eles queriam que todo mundo abaixasse a cabeça.”
No meio das relativizações, pacificações e tentativas de conciliações, uma companheira pediu para ser retirada da lista de e-mails pois a considerou misógina (misoginia é um termo usado para definir ódio contra mulheres). E, dentre outras discussões, o agressor Jacob escreveu: “Misógino é meu pau preto, nazi do caralho”. Esse agressor, ainda nas discussões por e-mail, escreveu que eu havia ficado conhecida no time masculino após uma reunião como “Feminazi”, pois cobrei algumas posturas referente tanto às discriminações às mulheres no futebol quanto a outra agressão realizada por um jogador a uma mulher na lista de e-mails que queria fazer parte o time feminino (e essa agressão vem também sendo relativizada desde então).
Essa questão se alongou após minha retirada da lista de e-mails, do time e da Casa, mas ainda assim companheiras me relataram que fui chamada até de stalinista por sair do espaço. Sou feminista, anarquista e muito me entristece ser chamada de “feminazi” ou stalinista por não deixar passar agressões realizadas contra companheiras e a mim mesma, ou então me retirar de um espaço por prezar minha integridade física, por não querer pagar ainda mais para ver. Coloco aqui também que depois de algumas discussões poucas pessoas colocaram que o agressor estava “errado” e depois de muito debater ele pediu “desculpas”. Mas até aí, eu já não estava mais na lista e os danos psicológicos já estavam feitos. Associar um time que tem como símbolo o A na bola e um espaço que tem a Mafalda do Quino como mascote a essas atitudes é algo muito triste, mas infelizmente real.
Esses acontecimentos me deixaram realmente decepcionada. Sinto que estive dando murros em ponta de faca, me fazendo presente em espaços nos quais talvez eu não fosse nem ouvida, e quando fosse, desrespeitada. Coloco essa questão responsabilizando o coletivo sim. Ainda acho que tenho amigos no time, alguns poucos que seguram as pontas do que eu achava que eram propósitos tanto do time quanto da Casa, mas infelizmente eu coletivizo isso pois, embora algumas cobranças foram realizadas (de forma bem conciliadora) ações como essas não foram combatidas, eu não fui a primeira agredida e talvez não serei a última. Responsabilizo o time pois foi com a ideia de coletivo que entrei para ele, e pelas posturas coletivas que me retirei dele.
Pode ser, como me demonstrou a convivência, que o time não era o que esperava (um time autônomo, horizontal, com valores anarquistas como a solidariedade e o respeito), mas talvez seria importante deixar isso explícito para que mais pessoas como eu não se enganem investindo seu tempo e energia a algo que será em vão, pois acredito que um lugar com violência dentre iguais, que teoricamente estão no mesmo barco é algo em vão. Como sede do time, a Casa Mafalda não me demonstra ser um espaço seguro, pois seria possível que o agressor, em algum momento lá presente, poderia fazer cumprir sua promessa de me ofender ainda mais…e os reparos das marcas da agressão não seriam realizados por pedidos de desculpas tardios.
Saí do time e algumas companheiras se solidarizaram e saíram comigo do time feminino. Para nós, feministas, temos um ditado que é “Mexeu com uma, mexeu com todas” e nelas eu tenho minha força em prosseguir com minhas frentes de luta e com o futebol, mesmo sem o nome de um time que ja traçou sua marca e propaganda em alguns espaços. Mas essa solidariedade entre mulheres é muitas vezes mal vista como separatismo, enquanto os caras são realmente irmãos, o que pude notar com tanta relativização e pacificação com relação ao agressor. Não quero aqui colocar homens contra mulheres, mas só pontuar como a posição de privilégio masculino em nossa sociedade faz com que muitos espaços se tornem hostis a mulheres que ousam se colocar ou atuar de formas que são julgadas como radicais, e daí chamadas de nomes pejorativos. Esse privilégio faz com que, por exemplo, sejamos maioria populacional e minoria em muitos outros espaços da vida, como o futebol. E enquanto homens e mulheres não lutarem para combater essas regras que se tornaram naturais, ainda ocorrerá opressão, discriminações e violências, como as que fui alvo, mas não vítima.
Assina: Bárbara.
Considerando que cartas, e.mails dão “…margem a interpretações diversas que irão variar do sentimento que cada uma tem durante a leitura”, porntanto “não dá pra transformar INTERPRETAÇÕES em VERDADES”, sugiro a todos que estão conhecendo Autônomos e Autônomas FC e Casa Mafalda por aqui, que o façam presencialmente em nossos jogos no “Bicudão” (CDM Bento Bicudo – Rua Werner Siemens, 350 – Ponte do Piqueri) ou nos eventos/atividades da Casa Mafalda. Depois disso tirem suas conclusões. Abçs.
https://rizoma.milharal.org/2012/11/19/nota-do-rizoma-sobre-a-agressao-no-autonomos-fc/
Nota de solidariedade do coletivo Rizoma