Carta sobre a agressão a Paula (PR)

Sabe por que é tão corriqueiro observarmos homens assumidos libertários ou anarquistas “passarem pano” para um colega que cometeu atos misóginos, alegando que este é “um bom militante!”, “ele não faria uma coisa dessas, até critica isso!”, sempre respaldando a sua integridade moral e sua imagem pública? Porque para nós, homens, esse tipo de agressão é extremamente abstrata, uma vez que nunca as sofreremos diretamente, nunca seremos atingidos por elas como alvo primário–sequer seremos atingidos.

Sob nosso juízo, para uma mulher, militante ou não, é muito mais coerente e assimilável que ela posicione-se contra esse indivíduo, mas mantendo-se ainda sob certa contenção emocional, uma vez que não reconhecemos o esforço e as dificuldades pelas quais as mulheres passam para se afirmarem e se situarem em eventos como esse.

Quem de nós nunca depositou juízos excessivos sobre as ações políticas de mulheres – sobretudo nossas companheiras, as quais assimilamos como nossas posses –, ressaltando que com a ajuda de homens os entraves seriam dissolvidos e as práticas se engendrariam de forma coesa? Evidencia-se que por trás de todo o nosso discurso libertário, simplesmente nos esquecemos a que, enquanto gênero, enquanto indivíduos culturais, viemos até essa sociedade: a velha dicotomia homem-racional x mulher-despreparada.

O que de fato permeia toda essa situação, da nossa incompreensão até o julgamento precoce acerca dos pontos de vista das mulheres ante agressores, é o fato de não reconhecermos as mulheres como potenciais vítimas de nossos privilégios(que, entendamos, o conceito de privilégio de classe surge em detrimento de uma classe subjugada), e não diferenciarmos que, se para nós, um homem machista ou misógino pode no máximo representar uma oposição política ou uma incongruência ideológica, para as mulheres representa nada menos que ameaça à integridade física, moral e psicológica, do que a expropriação de qualquer ambiente seguro que, em tese, faz com que as mulheres se aproximem e produzam. Acima de tudo um agressor – moral, psicológico, que seja – sendo resguardado pela nossa verborragia de retórica redundante, típica de “passação de pano“, representa o quão machistas – nada em desconstrução – somos.

Se quisermos ser levados a sério, se quisermos que as mulheres usufruam da segurança que usufruímos, se quisermos que as mulheres tenham a mesma voz ativa que nós, que comecemos por nós mesmos.

Por Igor.
Banda O Mito.da caverna

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