Aniversário de um ano do Occupy Wall Street em NY: táticas nas entranhas do império.

Por V.Z.

É difícil saber por onde começar a explicar o que foi o dia 17 de setembro, aniversário de um ano do Occupy. Dizer que foi algo como uma explosão criativa, solidária e multifacetada de um carnaval revolucionário em um jogo de tabuleiro seria uma definição bem justa, mas quero passar para vante alguns fatos mais concretos. Estando aqui e sendo parte desse movimento, uso essa oportunidade para passar a experiência adiante.

Na manhã de 17 de setembro o New York Post anunciou “birthday chaos” que o Occupy estava levando para o Lower Manhattan; e a manchete não poderia ter sido recebida com mais alegria, quando a leram entre o grupo de pessoas que se reunia as 7 da manhã no Lower Mahattan, pois era isso mesmo o que agente queria. Ok, foi assim que aconteceu:

Desde o começo da organização para o 17 de setembro (“hashtag” #S17) havia um sentimento de “trauma” da experiencia do primeiro de maio, em que muita expectativa foi criada para um dia de ação. Houveram muitos aspectos positivos naquele dia, mas a grande ação, que foi uma marcha com cerca de 30 mil pessoas atravessando a cidade não nos deixou com nada para construir no dia seguinte; não estabeleceu novas conexões, não enviou uma mensagem clara, e nem foi tão divertida, posto que a polícia estava patrulhando cada centímetro da manifestação, sendo que estava claro para ela qual era o plano e o destino da marcha. Para o #S17 queríamos algo desafiador, algo nosso, algo que o conhecimento que acumulamos durante o último ano nos permitiria, e algo que nos lembrasse o porque que estamos aqui. Então veio o plano: um “furacão” descentralizado de ações cercando a Wall Street com o intuito de fecha-la, de fato ou simbolicamente (ou mais provavelmente, deixar que a própria polícia o fizesse ). A organização foi então em “Affinity Groups”, cada grupo preparava um ação para executar em diferentes pontos estratégico ao redor da Bolsa de Valores, e a proposta era: imagine o mundo sem a Wall Street, traga ele para uma intersecção.

Um mapa do Lower Mahatan foi distribuído, aonde se podia ver o “núcleo duro”, aonde fica a Bolsa de Valores de NY que obviamente sabíamos que a policia não permitira a ninguém chegar perto; então no mapa se via outras dezenas que alvos que também simbolizam a Wall St: bancos, especialmente. Dividiu-se o mapa em quatro áreas temáticas: “Refusa da Dívida” (Strike Debt), “Educação”, “Eco” e “99 revoluções”. (veja mapa aqui! https://www.facebook.com/photo.php?fbid=272927962824003&set=a.140248996091901.27887.136871119763022&type=1&theater )

Cada área tinha um ponto de encontro, alvos numerados e o “check point”, que era a área mais próxima que se poderia chegar do “núcleo duro”, e para cada área houve uma coligação de Affinity Groups. O que resultou foi um modelo decentralizado de organização que funcionou via Spokes Council, ou “Conselho de porta-vozes”, que se reuniu toda semana durante um mes para coordenar as ações.

O affinity group do qual eu participo planejou uma bela festa de aniversário com confete, bexigas, bolhas de sabão e o que mais coubesse. Outros grupos planejaram uma cozinha, outros foram vestidos como ursos polares, outro era uma procissão de funeral para Wall St, outro trouxe uma piñata de touro, de verdade, houve de tudo. Muita gente de outros estados vieram para o aniversário, que caiu numa segunda e nos deu um fim de semana inteiro para nos conhecer e planejar. Sábado e domingo foram dias de treinamento, assembléia e música. No domingo ao fim da tarde houve um enorme conselho de porta vozes aonde as novas pessoas entraram em grupos de afinididades e as coligações temáticas terminaram de planejar e dividir funções.

As ações do dia 17 estavam marcadas para as 7 da manhã, horário em que cheguei em um lower manhattan completamente militarizado, com presença policial massiva em cavalos, carros, motos, e barricadas estrategicamente espalhadas. Eu estava na zona do Strike Debt. Nos encontramos no ponto de encontro da nossa área, a 55 Water St. Nossa seção tinha um pouco mais de 200 pessoas. Nos reunimos, e as 8 da manhã fomos para o check point para performar uma barreira humana na Wall St. Mal chegamos a realiza-la a NYPD começou a prender manifestantes aleatoriamente, eu vi cerca de 5 prisões sendo feitas em menos de 3 minutos, entre eles amigos queridos. Nosso grupo voltou então pra Water St e decidimos então partir para tomar os Lobbys de bancos. Fomos para o JP Morgan, e depois para o City Bank. Em vez de marchar para os bancos usamos a tática “Civilians”, em que nos dividimos em grupos de 4 ou 5 e vamos caminhando até o ponto de encontro como civis despreocupados. Eu fui em um grupo até o City Bank, sendo seguido por uns 4 policiais. Paramos em uma esquina, nos fingimos de perdidos e por alguma razão esses policias pararam de nos seguir, provavelmente indo interceder algum outro grupo fazendo algo em outro lugar. Quando todos do Strike Debt chegaram até o City Bank já não havia mais polícia ao redor. Então entramos, bloqueamos as portas, fizemos um “melt” jogamos bexiga, confete, lemos uma manifestação contra os bancos, tiramos a poltrona para o meio da rua, ninguém foi preso e fomos embora! E isso se descreve como: vitória!

(veja vídeo aqui! http://www.youtube.com/watch?v=KOtFw3dPpIA )

Para as 11 da manhã estava marcado para todos os grupos se reunirem no Battery Park, alí na região. Aí sim vimos nosso número: cerca de 2 mil pessoas. Gente o suficiente. Nos reunimos em Conselho, e um porta voz de cada coligação contou as vitórias e as perdas da manhã. O sentimento geral era de satisfação: grupos entraram em lobbys de bancos, universidades, outros até chegaram até a bolsa de NY, outros fizeram a barreira humana ao redor do centro financeiro. 180 pessoas foram presas, e todos sabiam o porque e estavam orgulhosos dos feitos. Um time de suporte aos presos já estava em ação. Outras ações aconteceram durante a tarde, mas prioritariamente foi marcada por voltar todos juntos ao Zuccotti Park, música, conversas e marchas dispersas pela área. As 6 da tarde começou a Assembléia Popular. Havia meses que o movimento já não realizava assembléias que haviam sido arruinadas por discussões financeiras. No S17 tivemos uma assembléia como nos bons tempos da ocupação, aonde pessoas falam e são escutadas, e se formam grupos e começam coligações. Ao fim da assembléia chegou o bolo. Catamos parabéns e relaxamos. As 10 da noite a NYPD invadiu o parque da maneira assustadora como eles gostam de fazer. Após um ano já sabemos qual é a nossa relação: Ela não tem o direito de nos expulsar de lá mas ela tem o poder de inventar regras que se não seguirmos teremos que perder muitas pessoas. Regras como não dormir no parque, não deitar no chão, não erguer estruturas… Eles saíram do parque mas permaneceram ao redor, com barricadas e luminárias gigantes viradas ao parque para que pudessem nos vigilar. Mas isso não foi problema; a fase de ocupar para nós já passou. Agora estamos interessados em outras estratégias e em construir em cima de tudo o que aprendemos no último ano. Eu fiquei no Zuccotti até que a exaustão do meu corpo fosse maior que a satisfação da minha alma. Voltei para casa as duas da manhã, preocupada com meus amigos que ainda estavam por passar a noite na cadeia, mas sabendo que assim que eles saíssem eu teria forças para lhes dar todo o suporte necessário, afinal, é o poder que esse movimento me proporcionou. Deitei na cama com uma mescla de calma e euforia que nada mais no mundo poderia me proporcionar. Fechando um ciclo parta iniciar outro, com uma carga que eu compartilho com pessoas ao redor do mundo inteiro. Satisfeita, nada mais poderia pensar: que ano!

 

 

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