Via MLT
A luta declarada dos movimentos sociais contra o agronegócio e as monoculturas já não é novidade, e com o Movimento de Luta pela Terra (MLT) não é diferente. O MLT declaradamente luta contra injustiças sociais de todos os gêneros, e há tempos levanta uma bandeira contrária ao nocivo cultivo de eucalipto na região Extremo Sul da Bahia para a produção de celulose, onde o deserto verde ocupa uma área alarmante de quase 800 mil (oitocentos mil) hectares. Essa luta é antiga, entretanto, intensificou-se no ano de 2008, com a ocupação da Fazenda São Caetano, imóvel de 1.943 (mil novecentos e quarenta e três) hectares, próximo ao distrito da Colônia, no município de Eunápolis. Após minuciosa pesquisa solicitada e acompanhada pelo movimento, concluiu-se que a área foi, no passado, grilada e vendida para a Veracel Celulose S/A[1].
A fazenda foi ocupada em 2008 como maneira de “forçar” o Governo do Estado a realizar a discriminatória da área, visto que se trata de terra devoluta do estado.Na ocasião,ocorreu um despejo, por ordem judicial, de reintegração de posse para a empresa.
Os membros do movimento, então, ficaram acampados as margens de uma rodovia – ato popularmente conhecido como NA BEIRA DA ESTRADA – lançados à própria sorte, enquanto o Estado realizava a discriminatória da área. Esta aconteceu a partir do mês de Abril de 2009, com audiência pública, que contou com a participação do desembargador Sr. Gercino José da Silva Filho – Ouvidor Agrário e Presidente da Comissão Nacional de Combate a Violência no Campo – juntamente com representantes do governo do estado da Bahia e todos os movimentos sociais do campo que atuam na região, onde ficaram definidas as discriminatórias administrativas de 08 (oito) imóveis, totalizando 21.061 hectares.
Foi criada, no dia 09/06/2009, a Comissão Especial Fazenda São Caetano de Discriminatórias de Terras Devolutas do Estado da Bahia. Essa comissão foi formada por um agrimensor, um agrônomo, um advogado e um secretário. Em 5 de Outubro de 2009 o trabalho da comissão foi concluído com resultados positivos. Uma área de mais 1.333 (mil trezentos e trinta e três) hectares foi diagnosticada como terra devoluta do estado, devendo assim ser destinada a reforma agrária, como determina a Constituição Federal. Com essa novidade processual, a área foi reocupada. O relatório final da discriminatória ainda afirma que parte da fazenda esteve ocupada, durante determinado tempo, por aproximadamente 100 famílias do MLT, que inclusive já subsistiam dos produtos plantados nesta terra.
Infelizmente, a Veracel Celulose S/A conseguiu novamente um mandato de reintegração de posse, concedida pelo juiz de direito da comarca de Eunápolis, Dr. Afrânio. Mas em fevereiro de 2010 o movimento conseguiu adiar a execução e em seguida derrubar em primeira instância o mandato.
A empresa, por sua vez, recorreu ao Tribunal de Justiça da Bahia. Em março de 2010, a Procuradoria Geral do Estado elaborou um documento em resposta à ação da VERACEL CELULOSE S/A, salientando que as terras deveriam ser destinadas as famílias do MLT que já ocupavam a área. A Veracel perdeu judicialmente em mais essa instancia, e desde então, a área continua ocupada e produzindo, mostrando para a sociedade qual a verdadeira função dos movimentos sociais organizados, mesmo sem a garantia (na época) da permanência na área.
Mesmo diante desse histórico, ainda em 2010, a empresa entrou na justiça novamente com pedido de revisão da decisão. Foi marcada uma audiência preliminar para outubro de 2010 e a Veracel CELULOSE S/A solicitou prazo de 60 dias para negociar com o estado. Logo em seguida pediu mais 90 dias de prazo, o que totalizou 150 dias sem apresentar sequer uma proposta. O MLT solicitou ao juiz que desse continuidade ao processo, e o mesmo se encontra no Ministério Público da Bahia.
Dois anos se passaram, e o juiz ainda não assinou o documento pedindo a retomada da área pelo Estado, mostrando, como em tantos outros casos Brasil afora, que a justiça só é eficiente quando interessa, e que há um descaso estrutural por parte do Estado para a aquisição de áreas para a reforma agrária, apesar da pressão dos movimentos.
É importante lembrar que diversas áreas da Veracel já foram ocupadas por diferentes movimentos sociais na região, algumas delas comprovadamente devolutas, mas nenhuma até hoje foi destinada à implementação de assentamentos rurais.
Atualmente, a Veracel Celulose S/A, através do Governo do Estado, está propondo um acordo, no qual aproximadamente 10 000 ha de terras da empresa seriam vendidos para o INCRA, a fim de serem destinadas aos sem terra da região. Esse acordo, ainda verbal e sem nenhuma garantia de que irá se efetivar, vem como resposta à pressão feita pelos movimentos de luta pela terra contra a concentração de terras da empresa plantadas com a monocultura de eucalipto. E, ao mesmo tempo, como forma de minimizar as ocupações feitas em áreas sabidamente devolutas da empresa, tentando convencer a opinião pública e o Governo do Estado que a realização do acordo sanaria o problema das ocupações de terra,quando na realidade o que a empresa quer é impedir o levantamento das áreas de terra do Estado ocupadas indevidamente com o plantio de eucalipto, e expandir seu monocultivo sem que haja resistência por parte dos movimentos ou observância da legalidade na aquisição de terras.
Paralelamente, o processo judicial do Baixa Verde segue na justiça, mas a empresa acena – e garante verbalmente – que essa área entraria como parte do acordo. Pode-se entender que, dessa forma, o processo seria retirado do judiciário e a área não ficaria caracterizada como uma terra devoluta indevidamente apropriada privadamente para o plantio de eucalipto. Já se o processo correr separadamente, além de abrir procedentes para a obtenção de outras áreas devolutas, prejudicaria a imagem da empresa frente aos órgãos certificadores, dos quais ela depende para a exportação da celulose, e prejudicaria sua propaganda de “socialmente justa”.
Em meados de outubro de 2010, logo após o MLT garantir a permanência na área derrubando nas duas instâncias a reintegração de posse favorável à empresa, surge a Federação dos Agricultores da Bahia- FETAG-BA, que colocou sua bandeira no acampamento Baixa Verde, com a intenção única e exclusiva de inviabilizar o processo de aquisição da terra por parte do MLT. Os membros do movimento suspeitam que de alguma maneira, devido à linha de acontecimentos, a empresa esteja financiando atos desse grupo, na tentativa de desestabilizar o MLT. Esse grupo realiza todo tipo de façanhas negativistas, que expõe as famílias, e tentativas constantes de amedrontá-las.
Já foram relatados – e abertos Boletins de Ocorrência na Delegacia de Polícia em Eunápolis – em relação à ameaças, roubo de animais, cortes de cerca, entre outros. Circulam na imprensa local denúncias ligadas a entidade relacionada a desvios de cestas básicas de acampamentos da região, além de roubo de madeira da Veracel, fato diversas vezes relatado à própria empresa, a qual nunca se confrontou com a Federação, tomando as providencias cabíveis. Essa atitude é bastante incomum, já que a empresa não aceita e reprime esse tipo de ação, mesmo quando são apanhados apenas os galhos (não utilizados pela empresa) por famílias carentes com o objetivo de cozinhar alimentos, como ocorrido em Ponto Central, distrito de Santa Cruz de Cabrália, em 2008. (Vale ressaltar que o MLT nunca cortou madeira da empresa para fins comerciais).
Em julho de 2012, membros da FETAG impediram um trabalhador de arar uma área de um membro do MLT, ameaçando o tratorista de atear fogo na máquina, caso ele continuasse, e ainda afirmando que se ele insistisse em arar aquela terra em outro momento, estaria correndo perigo. Posteriormente, os mesmos homens foram até a casa do membro do MLT, na comunidade vizinha, ameaçando-o novamente. Como se não bastasse, ainda ameaçaram a família deste, inclusive sua mãe, que ficou extremamente assustada, por se tratar de uma senhora de idade avançada. Depois disso, no inicio de agosto, quando mais uma vez membros do movimento buscaram alugar tratores de proprietários do entorno da área, não conseguiram, pois pessoas ligadas a FETAG os haviam ameaçado, segundo relato dos próprios maquinistas.
Há também, cotidianamente, pessoas da Federação que cortam as cercas das áreas plantadas do MLT, mais de uma vez por semana, acarretando prejuízos financeiros e gasto de tempo e energia, além do desgaste gerado, por terem que fazer isso, perdendo épocas certas para plantio. Inclusive, uma vez, um integrante do acampamento do MLT viu um membro da FETAG com um motosserra, e ao perguntar se era ele que estava cortando as cercas, ele afirmou que sim, e que se aparecesse alguém lá, ele cortava também.
Mutilações e roubos de animais, como vacas e cavalos, também se tornaram frequentes, causando preocupação, prejuízo e abalando pessoas que têm que sacrificar suas criações por invalidez.
Além de todos os delitos, ainda foram feitas ameaças à integridade física de diversos integrantes do MLT – mais de dez – com falas de que tinham pistolas cheias de balas, que estavam esperando a oportunidade de encontrar determinadas pessoas sozinhas, e as mais diferentes provocações e perseguições.
Por último, Juenildo Oliveira Farias, coordenador nacional do MLT e do acampamento, conhecido como Zuza, sofreu um atentado, em 28/12/2011, quando estava dirigindo em uma estrada próxima ao Baixa Verde e uma moto veio em sua direção, o obrigando a desviar, o que fez com que derrapasse no cascalho e capotasse o carro. Felizmente ele não se machucou, mas vem sofrendo ameaças de morte, assim como sua família.
Todos esses acontecimentos vêm sendo notificados às autoridades, tanto locais quanto estaduais e nacionais. Foram entregues cartas e cópias de ocorrências à Polícia Civil, Polícia Militar da Bahia, Ministério Público Estadual, Secretaria de Segurança Pública, Ministério da Justiça, Ministério do Desenvolvimento Agrário e Polícia Federal. Mesmo assim, nenhuma providencia foi tomada por nenhum desses órgãos, demonstrando a omissão do poder público frente a um possível conflito mais intenso, com consequências ainda piores do que as já vivenciadas. Segundo um relatório da 7ª CIPM – Comando Independente da Policia Militar de Eunápolis, entregue em 03/01/2012 à chefia da Casa Militar do Governador, o caso é uma “tragédia anunciada”. Mesmo após a entrega deste relatório, nenhuma providencia ofi tomada por parte do estado.
Como dito anteriormente, todas essas ações fazem com que integrantes do MLT acreditem que o Estado é conivente com a situação, e a empresa Veracel financiadora da FETAG, pois não haveria sentido uma federação de trabalhadores fazer o que está fazendo em um acampamento de um movimento social, a não ser que estivesse sendo beneficiada em alguma outra instância para isso. Fora os ocorridos, segundo uma integrante do MLT, membros da FETAG afirmam, em conversas informais, que a federação tem acordo com a Veracel. Desta forma, estão manchando o nome de uma entidade que deveria ser dos trabalhadores, e atualmente está a serviço do capital.
Vale salientar ainda que a realidade do Baixa Verde não é única, pois já se têm noticias de situações similares acontecendo em áreas ocupadas por outros movimentos, nas quais lideranças da FETAG iludem e manipulam famílias que desejam ser contempladas pela reforma agrária a lutarem sob a bandeira da federação, e esta faz negociatas com a empresa e não da continuidade aos processos de aquisição das áreas, como ocorreu no acampamento 2 de Julho, que foi abandonado pela Federação e posteriormente assumido pela FETRAF, renomeado para 3 de Julho, em Eunápolis.
Mesmo assim, as famílias do MLT estão produzindo na área, demonstrando, pelo seu trabalho na terra, que é para isso que realizaram a ocupação, ao contrario de outros. Já montaram uma escola e uma biblioteca, que funcionam no acampamento, além de um grupo teatral composto por jovens e adultos da comunidade.
A área de plantio em 2011 era de aproximadamente 200 ha, com produções consorciadas e extremamente variadas, dentre as quais: Mandioca, Melancia, Banana, Feijão, Milho, Quiabo, Abóbora e Maxixe; e estima-se que 1.500.000 kg (um milhão e quinhentos mil quilos) de alimentos foram produzidos. Outrossim, evidencia-se a preocupação ambiental do MLT, que já realiza reconstituição de mais de 30 ha de mata ciliar.
Para 2012 a estimativa é duplicar a produção. O acampamento já se tornou um dos maiores fornecedores de mandioca, para a produção de farinha, da região. Em 2012 já foram produzidos mais de 5.000 sacas, a partir da produção do acampamento. Além disso, já estão comercializando seus produtos com a Prefeitura Municipal de Eunápolis, através do PNAE – Programa Nacional de Alimentação Escolar. Tudo isso está sendo desenvolvido com todas as dificuldades apresentadas, e sem nenhuma infraestrutura como irrigação ou maquinários.
A capacidade de produção fez com que o Movimento de Luta pela Terra alcançasse notoriedade frente à sociedade, e os integrantes do MLT querem mais. Alegam que com a demarcação do imóvel e assentamento das famílias a produção e qualidade de vida melhorariam imensamente. Entretanto, devido aos constantes prejuízos e atentados dos mais variados tipos causados pelos membros da FETAG, a tensão e o medo rodeiam o acampamento. Apesar da indubitável quantidade de documentos comprobatórios, o estado não se mobilizou ou tomou alguma providência para a resolução dos conflitos com a retirada dos membros da Federação e regularização das famílias do MLT.
Portanto, o Movimento de Luta pela Terra torna pública esta situação com um pedido às autoridades, de que tome as medidas cabíveis. Em respeito às famílias acampadas e à sociedade em geral.
Eunápolis 18 de agosto de 2011.
[1] A Veracel Celulose, empresa com sede em Eunápolis que ocupa mais de 200 mil hectares em 10 municípios do extremo sul da Bahia, é resultado de uma
Joint venture (associação de empresas, com fins lucrativos, para explorar um negócio sem que nenhuma delas perca sua personalidade jurídica) entre a brasileira Fibria (empresa surgida da compra da Aracruz Celulose pela Votorantim Papel e Celulose em 2009), atualmente a maior produtora de celulose de fibra curta do mundo e a quarta em capacidade produtiva de celulose; e a sueco-finlandesa Stora Enso, a maior produtora de papel e cartão do mundo e a segunda maior de produtos florestais.