Por que não votar?

Por João Ninguém (com a valiosa contribuição de muitas amigas e amigos)

Nestes últimos dias a página-facebook e o perfil-witter do #OcupaSampa receberam uma espécie de enxurrada de comentários em nossas postagens relacionadas à Campanha Existe Política Além do Voto. Numa síntese-bem-porca, dá pra dizer que a opinião das pessoas que comentaram é de que somos um bando de playboy classe-média, alienados, que não entendemos nada de política, e que estamos, indiretamente, ajudando o Russomano e o Serra a transformarem São Paulo na cidade mais fascista e preconceituosa do mundo (como se já não fosse). Até de “molecada leite-com-pera” fomos chamados (os veganos pegaram meio mal com essa).


Bom, a ideia do não-voto é bem complexa e intrincada, então não pretendo aqui fazer uma grande explicação sistematizada de seus fundamentos teóricos, da onde surgiu, para onde vai, ficar colocando citação do Reclus ou do Bakunin, nem nada dessas coisas cabeçudas. Quem quiser entender melhor, tem que ler os materiais, assistir aos vídeos e principalmente aparecer nos rolês que tem acontecido e vão acontecer (
CineOcupa, Festa do Não-Voto na Casa Mafalda, Churrascão da Justificativa, etc.), não basta apenas ler nossas micro-postagens e sair metendo o pau só pra defender esse seu candidado aí. Aqui eu só vou dizer o porquê eu não vou votar nesta eleição, mas vou explicar bem.


De fato, a situação tá feia, muito feia, e não é coisa só desta eleição não. Como já disse em outras situações, toda a juventude que vive
este momento histórico está fodida. Nasceram, cresceram e chegaram no ápice daquela melhor fase da militância juvenil no exato momento em que o sistema político-partidário como um todo se apresenta como o mais retumbante e reluzente fracasso mundial. Por todos os lados, em todos os continentes, o tal do “Estado Democrático de Direito” fundamentado no sistema representativo partidário dá demonstrações claras de absoluta incapacidade de dar vazão à multiplicidade de interesses em jogo nestas sociedades, cada vez mais complexas, bem como preservar-se da influência dos interesses econômicos que, na prática, estruturam a atuação do Estado a partir de seus próprios interesses corporativos.


Por aqui, terras tupiniquins, somos (de uma maneira ou de outra) órfãos do PT. Se não todos nós, quase todos. Somos órfãos-de-pai ou órfãos-de-avô do Partido dos Trabalhadores conforme a nossa idade, maior ou menor. Nossa situação é uma merda porque esta geração, de menos de 30 anos, não foi perseguida político durante o regime ditatorial, não militou no período da redemocratização, tampouco viveu na pele as sucessivas e frustrantes tentativas do Lula em se eleger presidente. Nunca vivemos de fato o martírio das difíceis lutas e que dão aquele sabor diferente às vitórias. Quando nos percebemos, já era 2002, e vimos com um olhar ainda juvenil aquela coisa toda da “esperança venceu o medo”, Lula-lá e tudo mais. Ficamos felizes porque nossas mães e pais estavam felizes. Sabíamos que aquilo significava muito, a vitória não tinha sido pouca. Mas, para nós, aquilo não era propriamente um fim, o coroamento de uma vitória nossa. Muito pelo contrário, aquele era o começo, e, na prática, os oito anos de mandato do presidente funcionaram para nós como uma escola política fundamental, só que ensinando ao contrário.


Vimos Lula beijar a mão de Sarney, bater no peito e se vangloriar porque “nunca na história deste país os banqueiros ganharam tanto”, lançar mega-programas para engordar o caixa das construtoras, virar amigo-de-fé-irmão-camarada do Eike Batista, destruir o Xingu (o rio sagrado), inaugurar um novo desenvolvimentismo mais predatório do que qualquer outro anterior, abrir a Amazônia para o estupro da soja, dos pecuaristas e madeireiros, esquecer a reforma agrária e elevar os ruralistas a salvadores da pátria brasileira, fechar os olhos diante de sucessivos massacres indígenas, comprar apoio político do Congresso Nacional (pagando à vista), e, finalmente, já fora de Brasília, tirar belas fotos abraçadinho com o Maluf. Sim, o Maluf.

Nesse tempo todo, correndo por fora, algumas movimentações ganhavam dimensão no seio da sociedade urbana. Coletivos autônomos foram se consolidando, novas perspectivas de atuação política nascendo, boa parte delas resultado das mobilizações em torno da Ação Global dos Povos e os movimentos anti-globalização do fim dos anos 90 e início dos 2000. Enquanto o governo Lula ia implementando sua política de Estado e redefinindo as fronteiras clássicas direita-esquerda da ideologia política. Perspectivas novas de debate e ação foram sendo construídas: movimentos feministas, de software livre, do passe-livre (direito à mobilidade urbana), coletivos anarquistas, massa crítica (ciclo-ativismo), bibliotecas, casas-abertas, centro de mídia independente, terrorismo poético, dentre tantas outras coisas que surgiram ou ganharam relevância nesse período.

Palavras como “anti-capitalismo” e “autonomia” foram saindo de círculos antes muito restritos e circularam por diferentes ambientes urbanos. Uma nova “safra” de coletivos surgidos distantes e à revelia de partidos, sindicatos, igrejas e movimentos sociais clássicos tornou-se forte e reconhecível, principalmente no meio acadêmico, mas não só nele.

Um sentimento de não-pertencimento a esse “grande sistema”, aliado à insatisfação geral com a engrenagem política, trouxeram um gosto amargo e persistente na boca. Estava claro que construir uma alternativa de mudança social por dentro do próprio sistema político-partidário, além de uma tentativa estéril, era mesmo contraditória. Como disputar o poder dentro de um partido político, para então propor alterações no sistema vigente que, em última análise, levariam ao desmonte do próprio sistema partidário? A constatação era simples e nem um pouco original. Teóricos e militantes anarquistas já se debateram sobre isso há mais de um século atrás, e nenhuma grande transformação estrutural nesse sentido aconteceu desde então. A pergunta prática, mais uma vez, era a mesma: “o que fazer então?”. E a ausência de respostas coletivas manteve um certo imobilismo.

Mas as eleições sempre chegam, expõe as elementares contradições da vida social, e são úteis para catalizar processos que demorariam muito mais tempo para acontecer. Alguns grupos autônomos da cidade começaram a se organizar em torno da proposta do não-voto como estratégia de ação, e a ideia mais uma vez foi além dos círculos restritos, encontrando algum apoio não apenas entre os coletivos envolvidos. É óbvio dizer que o motor fundamental para isso foi aquela frustração com a engrenagem política da qual já falei, mas o projeto de apresentar o não-voto como uma espécie de bandeira de luta central a uma campanha “por fora” do sistema (semelhante à “outra campanha” mexicana), centrada na ideia de que “não basta não-votar, é preciso se organizar”, trouxe a sensação de algo mais palpável, uma proposta de militância ativa e não apenas abstencionista, ação política prática centrada na negativa do voto como a principal via (e portanto incontornável) para a canalização dos descontentamentos e angústias sociais.

E não se enganem, a declaração pública do não-voto soa, para alguns, como um profundo desrespeito à ideia midiaticamente construída de que “mais que uma obrigação, o voto é um direito!”, numa abordagem sacralizada desse migalho do poder maior que nos foi subtraído desde sempre, pelas sucessivas Constituições. “Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes …”, é a maior piada de mau gosto já dita, junto claro de “o Estado Brasileiro é laico”. Para outros, esta manifestação publica de abstenção eleitoral organizada soa como uma grave ameaça, já que põe em risco alguns planos de disputa do poder. É perigosa porque vem do mesmo nascedouro que, em outras épocas, abrigou boa parte dos movimentos sociais clássicos, partidos de esquerda, sindicatos e etc. É perigosa porque não vem de movimentos inofensivos como o Basta!, ou das Marchas Contra Corrupção e outras besteiras semelhantes, mas sim de uma vertente cada vez mais forte de luta política autônoma.

Não à toa, Raquel Rolnik escreveu um artigo contemporizando todo o desencanto atual com o PT e o sistema político-partidário em geral, e dizendo o porquê se deve engolir em seco toda essa repulsa acumulada e, no domingo próximo, em frente à urna, digitar aqueles números do Haddad. Nessa mesma linha, só que com muito mais desfaçatez, o “Festival Amor Sim, Russomano Não”, promovido pela geração pós-rancor, convoca todas e todos para uma grande mobilização cor-de-rosa de protesto, cujos canhões de purpurina até parecem mesmo estar direcionados contra o candidato apoiado pelas principais igrejas evangélicas. Na verdade, trata-se fundamentalmente de uma tentativa para ganhar posições dentro do próprio tabuleiro-petista, de olho em algumas migalhas de poder que cairão da mesa de loteamento de cargos públicos, nos dias seguintes ao resultado da eleição caso Haddad vença. Nada tem a ver com impedir a escalada do fundamentalismo político-religioso e da filosofia do sucesso individual como evidência das bençãos divinas. Acredite!

Sobre Russomano, é bom que se diga, ele é essencialmente um “filho bastardo do lulismo com o populismo conservador”, como bem retratou o prof. Vladimir Safatle. Sua candidatura foi inicialmente apoiada pelo próprio presidente Lula pois todos o consideravam um azarão mas cujo nome seria estratégico para retirar votos da ala conservadora tradicionalmente eleitora de Serra. Foi um tiro no pé. Aliás, caso Russomano e Serra avançem para o segundo turno (e Haddad morra na praia), não se surpreenda quando o diretório paulistano do PT manifestar apoio oficial à sua campanha. O PRB (partido de Russomano e controlado pelo bispo Edir Macedo) integra a base aliada do Governo Federal, e, convenhamos, a favor da governabilidade faz-se chover no deserto por estas bandas.

Neste panorama de absoluto pânico petista, tal como ocorreu no segundo-turno da eleição presidencial de 2010, somos tragados pelo argumento-assim-quase-irrefutável do voto útil, ou voto crítico, ou outro nome idiota que dão. Naquele momento, era a ameaça de um governo de José Serra que deveria ser evitada. Votar e fazer campanha para Dilma tornou-se uma responsabilidade de todos. A grande maioria, como eu, caiu diante desse cenário de medo e ajudou a eleger “a primeira mulher presidenta do Brasil”. Agora, segundo dizem, é nossa responsabilidade novamente evitar que Russomano, o menino malufinho, seja eleito para governar a capital do capital. Temos de resistir a qualquer custo à acensão do discurso religioso ao poder do Estado. Se conseguirmos evitar isso, já seremos vitoriosos. Votar em Haddad é uma necessidade agora. Será?

Esta eleição não será decidida pelos votos miúdos. O fato de alguns poucos não votarem não alterará em nada as cifras eleitorais a serem divulgadas no domingo à noite. A eleição municipal de São Paulo é uma eleição de massa, são mais de 8 milhões e meio de eleitores, e alguns gatos-pingados não fazem nem cócegas nessa engrenagem eleitoral monumental. Não por acaso, a campanha de Haddad foi a que mais arrecadou recursos entre todos os candidatos, com mais de R$ 10 milhões, 70% disso por meio de doações ocultas ao Partido e os 30% restantes vindo de construtoras do calibre da OAS ou de grupos pesados como a Votorantim (que agora tem a desfaçatez de nem mais doarem escondidos). O PT sabe que as eleições em São Paulo atualmente tem pouco a ver com a militância ou com a juventude do partido, e sim com grandes somas de dinheiro suficientes para custear propagandas crescentemente mais caras, e quase que exclusivamente pela televisão. Pra quem acompanhou a campanha de Haddad na TV, os efeitos de computador faziam parecer o Episódio VII de Guerra nas Estrelas. Em alguns momentos tive a nítida impressão de que R2D2 iria entrar a qualquer minuto para trazer uma mensagem holográfica da Dilma.

Mas se também não faz diferença não-votar, a pergunta óbvia é: então o que fazer?

Como disse, tenho a certeza de que o resultado de um campanha pelo Não-Voto Ativo nem será ao menos possível de ser mensurado quantitativamente. O índice de abstenção não deverá subir muito além da média, e, caso cresça mais, os analistas políticos terão sempre explicações bem razoáveis sobre o porquê do fenômeno, de maneira que as coisas permanecerão como estão. No revolution, baby.

Mas o que importa, como sempre, não está assim tão na cara.

Como demonstrou já faz um tempo o prof. André Singer (ex-Porta Voz da Presidência), em seu artigo original “Raízes Sociais e Ideológicas do Lulismo”, a partir de 2005 (com o escândalo do mensalão, incremento das políticas públicas sociais, a nova política econômica, e o liberou-geral nas alianças partidárias do governo) a base de sustentação social de Lula sofreu uma mudança estrutural significativa. Uma classe “subproletária” aderiu à sua candidatura ao segundo mandato na exata medida em que uma classe média (dita “esclarecida”) se afastou dele. Como sugere o professor:

Ao incorporar tanto pontos de vista conservadores, principalmente o de que a conquista da igualdade não requer um movimento de classe auto‐organizado que rompa a ordem capitalis ta, como progressistas, a saber, o de que um Estado fortalecido tem o dever de proteger os mais pobres, independentemente do desejo do capital, ele achou em símbolos dos anos de 1950 a gramática necessária. (SINGER, André)

Ou seja, Lula rompeu com a ideia de que a revolução socialista era necessária, abraçou o grande capital internacional e principalmente nacional, e investiu pesado em políticas sociais de redistribuição de renda e aumento do crédito individual. Ou seja, ressuscitou um getulismo meio démodé.

Na cidade de São Paulo, como demonstra Diogo Frizzo, o eleitorado petista antes pertencente aos estratos médios e altos da sociedade paulistana, a partir das eleições de 2004 alterou-se para um perfil mais popular, constituído por um eleitor de renda e escolaridade baixa. “O PT conquistou um tipo de eleitor diferente do seu tradicional eleitorado, que o acompanhou até as eleições de 2000”.

Na hipóstese do prof. André Singer, essa transformação da base de apoio do PT, processo chamado de lulismo, “expressa um fenômeno de representação de uma fração de classe que, embora majoritária, não consegue construir desde baixo as suas próprias formas de organização”. Em português isso quer dizer que toda uma nova coletividade de pessoas, antes mantidas à margem de um “reconhecimento público” quanto à sua completa cidadania conseguiram então alcançar o reconhecimento social pela via do acesso ao consumo. Afinal, as pessoas só existem quando tem um cartão de crédito. Ocorre que essa “nova classe média”, como dizem alguns, não tem qualquer ligação com partidos, sindicatos ou outras vias “clássicas” de organização e canalização de interesses. E é aí que o bicho pega.

Quando transmutou sua base de apoio, e passou a fazer política no atacado, o PT viu boa parte de suas alas mais radicais e ideológicas pularem para fora do barco ou serem gentilmente convidadas a se retirar. A política de alianças do tipo vem-ni-mim-que-eu-tô-facinho do Governo Federal acabou por lulalizar uma parcela razoável dos políticos, reacionários e conservadores, que adotaram o discurso do desenvolvimentismo-à-brasileira e tornaram-se herdeiros políticos bastardos do presidente, tão neo-conservadores quanto ele. Russomano é um deles.

Neste momento, por todo o país, esses herdeiros bastardos estão cobrando as suas posições regionais de protagonismo, em boa parte contra candidatos do próprio PT. Mas a esta altura, legítimos candidatos petistas, ungidos por Dilma e Lula, não fazem mais essa diferença toda. Os herdeiros bastardos do lulismo aprenderam a “língua do povo”, adaptaram-se, buscaram alianças regionais, reestruturam a correlação de forças locais, e souberam construir o caminho do meio no falso bi-partidarismo (que é só tipicamente paulistano). Russomano fez o seu dever de casa, e PT-PSDB se deram mal.


Aqui em São Paulo
, esse domínio do lulismo dentro do PT também acabou por minar a juventude militante do partido. Seus quadros políticos são históricos, há pouca renovação, e não existem mais novos candidatos com trajetória interna própria, combativa e ideológica. Haddad é o exemplo disso. Ao final, é Lula quem sempre decide. E aqui, escolheu seu chuchu pessoal. Mais além, a base interna do partido, composta por diversos movimentos reivindicatórios, antes muito aguerridos, está com cada dez maior dificuldade em “manter a ordem” em seus próprios quadrados. A grande geléia ideológica que o PT se transformou na última década incomoda a todos aqueles que construíram o partido e ainda se mantém fiéis a um ideal já ultrapassado pela realidade. O caminho proposto por Lula não tem volta, e a opção messiânica do PT por manter-se a reboque das escolhas de seu grande líder, agora alçado a semi-Deus, tem em si o gérmen da morte como proposta de representação política.

A coisa toda fica clara agora, quando o PT de São Paulo luta desesperadamente contra um novo inimigo que, no plano federal, senta-se à mesa junto da presidente Dilma e conversa intimamente. Russomano não é cria do Maluf, é cria de Lula, ou melhor, desse lulismo que tomou conta de tudo e de todos. Haddad faz agora comícios na Zona Leste da cidade, de braço dado com Marta, mas já percebeu que sua base de apoio, a base de apoio que o PT de São Paulo construiu para si, é o mesmo público-alvo de Russomano, o “defensor do consumidor”. No momento em que mais precisa da antiga militância de rua, jovem, desperta, que vai pra cima e convence, Haddad só encontra desconfiança e repulsa. Não terá o apoio dessa nova geração militante que aprendeu o sentido de autonomia e apartidarismo a partir da experiência decepcionante do governo de Luíz Inácio. A verdade é que o PT se fudeu sozinho, e está esperneando por isso.

Mas é importante lembrar que esse sinal amarelo já tinha acendido na cúpula petista ainda em meados do ano passado. À medida que crescia a Primavera Árabe, o movimento dos indignados espanhóis, os irredutíveis gregos, e, por fim, o Occupy WallStreet, o partido teve a percepção fina de que poderia perder virtuais militantes numa proporção catastrófica. A revolta “contra o sistema” assumindo um caráter anti-partidário foi uma ameaça clara à posição do partido, que ainda achava que detinha a capacidade de canalizar o descontentamento da juventude desiludida. Também teve uma parcela de responsabilidade nisso quem decidiu em 15 de outubro do ano passado acampar debaixo do Viaduto do Chá, aqui em São Paulo, e lá permanecer por mais de 40 dias. Pode rir, você aí que está lendo isso, e achar que estou viajando, dando um valor excessivo a uma coisa pequena. Mas o programa partidário do PT do segundo semestre de 2011, pode dar pistas importantes sobre isso a que me refiro. As jovens vozes a serviço de eleger os candidatos do PT ao que quer que concorressem, estão hoje defendendo o apartidarismo, sistemas assembleários por consenso e outras formas de construir decisões políticas sem a necessidade de partidos. E pode até soar como ingenuidade isso, até engraçado, quase um papo de hippie, só que não.

É claro que essa luz amarela que acendeu no PT deu uma boa fraquejada esse ano, quase apagou, mas agora nas eleições, o problema parece que está exposto na mesa mais uma vez. Se Haddad não for para o segundo-turno, teremos um cenário inimaginável em São Paulo há algum tempo, e, com o perdão do masoquismo, talvez faça muito bem para toda a esquerda paulistana (seja ela partidária ou não).

O PT adaptou sua máquina de fazer campanha e hoje arrecada quantias nababescas para financiar sua manutenção no poder. PSOL, PSTU e cia. seguirão o mesmo caminho caso, algum dia, consigam conquistar esse mesmo poder. Estamos diante de uma situação política em que a via partidária não existe mais como possibilidade de luta para transformação social e econômica. A estrutura econômica de poder subjaz à estrutura política, e nela se esconde, se imbrica, se hibridiza. Não há reforma política/eleitoral tópica que dê conta de transformar a realidade da influência do poder econômico em nossa democracia-de-merda. A máquna partidária e a máquina empresarial/ruralista/corporativa se confundem numa espécie de mimetismo perverso, quem hoje está a serviço do avanço do capitalismo no controle social, amanhã estará no Estado. A lógica é de uma porta giratória, que permace num movimento constante, um entra-e-sai infinito dos mesmos grupos, e que causa vertigens apenas em quem vê de fora. 

O que precisamos agora é construir outras formas de resistência que sejam criativas, que tenham a capacidade de sacudir o status quo a ponto de colocar em questão as estruturas do próprio sistema democrático brasileiro. Não se trata mais de perder tempo e energia construindo “tendências” aqui e alí, dentro de partidos de esquerda, travando uma batalha fratricida e improdutiva para conquistar uma fatia mínima de poder, para, só assim, poder disputar o controle das decisões da esfera pública. Não, esse poder sempre foi nosso, e deve voltar a nós, para que o exerçamos diretamente.

Eu sei, parece megalomaníaco, difícil, até meio idiota. Mas olha, se você quer começar com pouco. Começa não votando. Por mais que sejamos poucos os que não votam (e nossa capacidade de influência ser bem restrita), nesse momento em especial a manifestação pública de não-voto tem uma força muito grande. Pralém do que se pode imaginar. Quem domina o poder federal hoje é o mesmo partido que está vendo seus candidatos fracassarem nas disputas eleitorais em quase todas as principais capitais, simplesmente porque os aliados (em nível federal), filhos bastardos do lulismo, resolveram reclamar pra si os tronos regionais. O momento é importante para, a partir do não-voto, construir formas de organização social, no nível da própria cidade, que possam ir mostrando por onde caminhar nesse processo de ruína final da perspectiva partidária dentro da esquerda, rumo a processos de construção de autonomia e auto-organização popular.

Essa voz, ainda que pequena, assim meio nanica e rouca, pode se tornar uma voz significativa nesse arranjo de luta e disputa social da cidade. Quando não se cai mais no falso discurso do voto-útil, ou do voto-crítico, começa-se a construir um espaço de liberdade para a elaboração e confabulação de novas estratégias para trazer o poder de volta às mãos de quem nunca deveria ter sido retirado, as mãos do povo. Votando ou não votando, é insignificante a cifra eleitoral dessas poucas pessoas que estão pensando as limitações do sistema político-partidário. Mas a eleição não vale só pela eleição. Ela vale pelo que se consegue criar e organizar a partir dela, autonomamente, criativamente, estrategicamente. Não se deve trazer pra si a responsabilidade pelas armadilhas que o sistema político representativo arma a si próprio. Os arranjos partidários caminham ao sabor do vento e dos grandes interesses corporativistas, não se trata mais de ideologias e embates de visões sociais diferentes de mundo. Todo o poder emana do Mercado, e é exercido em seu nome pelos representates que o poder econômico assim financiar. Então, não votarei. Não votaremos. Ninguém nos representa! Nossa arena de embates é outra, e o poder popular que queremos construir não virá de cima do Viaduto do Chá, mas de baixo.

Não-votar não mudará nada. Mas, quem sabe… acabe mudando tudo.

 

One comment on “Por que não votar?

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